Memórias do Bonde

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Uma obra e uma descoberta

Era fevereiro de 2022 e a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro dava início a obras para implantação de uma nova rede de drenagem de águas pluviais na Rua Alexandre Calaza, no bairro de Vila Isabel.

E no meio da obra havia trilhos

Foto: Senic Engenharia

E havia trilhos no meio da obra!

E foi por isso que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) solicitou que fosse feito o Acompanhamento e Resgate Arqueológico durante a continuidade das obras no local.


Foto: Stratus

Mas afinal, o que a

Arqueologia

investiga?

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E o que é um "Acompanhamento e Resgate Arqueológico"?

Arqueologia:

É a ciência que estuda as sociedades a partir da cultura material, ou seja, das evidências físicas deixadas pelos grupos humanos no passado, como utensílios de uso cotidiano, ferramentas de trabalho, materiais de uso religioso, adornos, construções etc. A partir desses vestígios, podemos recuperar muitas informações sobre o modo de vida, hábitos alimentares, ocupação do espaço, relações com outros grupos e muito mais.

Fotos do acervo pessoal de Sílvia Peixoto

Acompanhamento e

Resgate Arqueológico

Quando se realiza uma obra, localizada em área com potencial arqueológico, é exigida, por lei, a presença de profissionais da Arqueologia, para que estes possam acompanhar a obra e realizar o resgate de materiais arqueológicos, caso sejam encontrados.


Cabe ainda aos profissionais da Arqueologia divulgar o conhecimento a respeito do que foi encontrado, utilizando diversas estratégias, para a população, principalmente para os que vivem nas áreas impactadas pelos empreendimentos.

Cais do Valongo, porto de entrada de milhares de escravizados no Rio de Janeiro, foi evidenciado pela Arqueologia durante as obras de revitalização da zona portuária da cidade.

Foto : Úrsula Farias

O que estes trilhos nos contam?

Rua Alexandre Calaza - Vila Isabel, Rio de Janeiro/RJ

Fotos: Stratus

Vamos voltar um pouco no tempo e conhecer o Barão de Drummond

João Batista Viana Drummond foi um empresário e barão, que adquiriu, da Imperatriz D. Amélia, a Imperial Quinta do Macaco, no início da década de 1871.

Nesta região, por iniciativa dele, surgiu aquele que seria o primeiro bairro projetado da cidade do Rio de Janeiro, Vila Isabel.

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"Lá, em Vila Isabel "

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Vila Isabel foi fundada oficialmente em 1872. No ano seguinte, Drummond organizou a Companhia Arquitetônica de Vila Isabel, responsável pelo projeto de urbanização do bairro nos moldes parisienses.



Planta da cidade do Rio de Janeiro e suburbios. (bn.br

te: http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_cartografia/cart170618/cart170618.htm)

Abolicionista, Drummond nomeou algumas ruas em homenagem aos que aderiram à causa da luta contra a escravidão.


O Boulevard 28 de Setembro, a principal rua do bairro, recebeu este nome em alusão à data em que a Lei do Ventre Livre foi sancionada.

Reprodução do Google Maps

Em 1873, a Companhia Ferro-Carril de Villa Izabel, também de propriedade do Barão, iniciou as obras de instalação dos trilhos de sua linha, inaugurando em novembro do mesmo ano a ligação entre o novo bairro e a Praça da Constituição, atual Praça Tiradentes, no centro da cidade.

Postal da Praça Tiradentes, RJ. Sem autor, por volta de 1910 (Gorberb, 2002).

Fonte: http://memoria.bn.br/DocReader/313394x/39078.

Detalhe da Planta da Cidade do Rio de Janeiro e de uma Parte dos Subúrbios, de Edward

Maschek, indicando a linha de bondes da Ferro-Carril de Villa Izabel ao longo do Boulevard 28 de Setembro (mapa sem data)

Fonte: http://memoria.bn.br/DocReader/709662/1855

Relato do início das obras de instalação dos trilhos do novo ramal de bondes com a presença de D. Pedro II.


(A VIDA FLUMINENSE, 1873, ed. 309, p. 1629)

Na década de 1880 a companhia já operava seis linhas : Matoso, Andaraí Grande, Vila Isabel, Aldeia Campista e Engenho Novo.

Os bondes circulavam ininterruptamente durante 21 horas e tinham seu funcionamento interrompido por apenas três horas no turno da madrugada.

Bonde da Companhia de Vila Isabel, linha Engenho Novo

Fonte: http://www.tramz.com/br/rj/th/thp1.html

Fonte: http://memoria.bn.br/DocReader/313394x/57391

Descrição das seis linhas operadas pela Ferro Carril de Villa Izabel, em 1884 (ALMANAK LAEMMERT,

1884)

O Sistema de Bondes no Rio de Janeiro

A primeira concessão cedida pelo governo imperial para a instalação de linhas de bonde, ou ferro carril, na cidade do Rio de Janeiro, foi em 1856, para a Companhia de Carris de Ferro da Cidade à Boavista. A linha começa a operar em 1859, com dois carros puxados a burro, ligando o Largo do Rossio (atual Praça Tiradentes) ao Alto da Boa Vista.

Avenida Central, foto de Marc Ferrez, 1905

https://brasilianafotografica.bn.gov.br/brasiliana/handle/20.500.12156.1/10485

Bonde na Rua São Clemente, Botafogo.

Foto de Juan Gutierrez

Fonte: https://brasilianafotografica.bn.gov.br/brasiliana/handle/20.500.12156.1/6334

Posteriormente, surgiram a Companhia Ferro-Carril do Jardim Botânico, a Companhia Ferro-Carril de São Cristóvão, a Companhia Ferro-Carril de Villa Izabel e a Companhia de Carris Urbanos (surgida em 1878 após a unificação de outras companhias fundadas na década de 1870)

A entrada da empresa canadense Rio de Janeiro Tramway Light and Power Co. Ltd, em 1905, acelerou o processo de expansão da malha de bondes na cidade. Na década seguinte, ela já havia incorporado todas as maiores empresas de bonde e passou a ter o monopólio deste transporte na maior parte da cidade.

Fonte: Ihttp://www.tramz.com/br/rj/th/thp3.html

Encontro de bondes à tração animal da Companhia de Carris Urbano com um bonde elétrico,

possivelmente em 1907, em frente ao Passeio Público. Foto: Augusto Malta

O Bonde na Alexandre Calaza

A Rua Alexandre Calaza aparece desde os primeiros mapas que indicam o bairro de Vila Isabel. Foi denominada como Rua Nova do Andarahy Grande, posteriormente foi designada como Rua do Prado e, em 1928, era conhecida como Rua do Jardim Zoológico, pois terminava em frente ao portão de entrada do parque, que também pertenceu ao Barão de Drummond.


Fonte: http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_cartografia/cart326440/cart326440.html.

A documentação histórica existente indica que, pelo menos a partir da década de 1920, já havia trilhos na Rua Alexandre Calaza. A pesquisa arqueológica trouxe à tona as evidencias materiais do sistema de trilhos.

Detalhe de Parte da Carta do Districto Federal (1922) mostrando o traçado dos trilhos pelo

bairro de Vila Isabel. A seta indica a Rua Alexandra Calaza.

Rua Alexandre Calaza, esquina com Teodoro da Silva. Evidências do Aparelho de Mudança de Via (AMV), utilizado para mudar a direção ou rota de circulação dos bondes.


Havia trânsito de bondes em mão dupla nesta rua, conforme as evidências dos trilhos e da documentação histórica.

Foto: Stratus

Algumas vezes os bondes saíram dos trilhos

O IMPARCIAL, 5 de janeiro de 1927, p.64

Diário Carioca, 11 de agosto de 1954, p. 2

Reportagem sobre o precário calçamento da rua

Alexandre Calaza, então conhecida como "rua Jardim

Zoológico", em 1929. Detalhe para a confluência dos trilhos (A MANHÃ, 2 de janeiro de 1929, p. 2

Localização dos quatro trilhos identificados a partir das sondagens realizadas na confluência das ruas Alexandre Calaza e Ângelo Bitencourt.

Foto: Stratus

Foto: Stratus

O acompanhamento arqueológico revelou parte da estrutura dos trilhos deste sistema de bonde, o nome da empresa fabricante dos trilhos, a empresa Lorain Steel CO., os tipos de materiais utilizados, a tecnologia de construção e, junto com a documentação histórica, revelou a dinâmica do trânsito de bondes na via.

A obra prosseguiu, com alguns ajustes para evitar danos às estruturas que estavam preservadas, como pode ser observado nesta imagem em que a manilha é colocada de maneira que não danificasse os dormentes.

Foto: Stratus

Os trilhos identificados na Rua Alexandre Calaza trazem à memória de muitos cariocas, mesmo daqueles que não chegaram a pegar o bonde, um dos símbolos icônicos da cidade do Rio de Janeiro.

Praça da Bandeira, sem data. Foto de Augusto Malta

Fonte: https://brasilianafotografica.bn.gov.br/brasiliana/handle/20.500.12156.1/4270

Você andou ou conhece alguém que andou no bonde de Vila Isabel?

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Referências

GORBERG, S. A propaganda no Brasil através do cartão-postal. 1900-1950. Rio de Janeiro: S. Gorberb, 2002.

Identificação do Projeto

ACOMPANHAMENTO E RESGATE ARQUEOLÓGICO DAS OBRAS DE DRENAGEM DA RUA ALEXANDRE CALAZA, VILA ISABEL, RIO DE JANEIRO -RJ

Processo: 01500.000449/2022-13 Empreendimento: Infraestrutura urbana Município: Rio de Janeiro Estado: Rio de Janeiro

Empreendedor: Senic Serviços de Engenharia, Indústria e Comércio Ltda

Execução do Projeto: Stratus Consultoria Arqueológica Ltda

Coordenador Geral: Ms. Diogo de Cerqueira Pinto Coordenadora de Campo: Dra. Sílvia Alves Peixoto Arqueólogo de Campo: Arthur Braga Alves

Consultor de Engenharia Ferroviária: Felipe Stiegert Lage (CREA-RJ: 2022104223)

Enquadramento Legal: Lei 3924/61; Portaria IPHAN 07/1988

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